Ladeira de paralelepípedos na zona portuária do Rio de Janeiro leva à Casa Escrevivência Conceição Evaristo, espaço cultural com biblioteca de produções teóricas e projetos antirracistas.
A riqueza dos saberes negros está presente em diversos espaços culturais ao redor do mundo. A Casa Escrevivência Conceição Evaristo, por exemplo, é um local que valoriza a produção literária e intelectual de autores negros, contribuindo para a disseminação e preservação desses conhecimentos.
É fundamental que haja uma maior valorização das culturas negras e do conhecimento africano na sociedade atual. A sabedoria afrodescendente possui um potencial transformador capaz de promover a reflexão e o reconhecimento da diversidade cultural, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.
Valorização das culturas negras através dos saberes africanos
O objetivo é aprofundar estudos das produções teóricas de homens e mulheres negros. Fundadora da casa, aberta em julho de 2023, e uma das principais escritoras negras do país, Conceição Evaristo é uma das quatro responsáveis pela gestão do projeto, que nasceu de uma articulação da prefeitura do Rio de Janeiro com a FGV.
Para a escritora, a criação de uma cátedra para valorizar saberes negros é uma obrigação do país. ‘A presença negra está na formação da nacionalidade brasileira. Tudo que se faça para preservação dessa memória, para divulgação da cultura negra, a partir de políticas públicas não é mais do que uma obrigação’, disse à Agência Brasil.
‘O estado brasileiro é devedor da comunidade negra.’ Neste primeiro ano de atividade da cátedra, serão oferecidos cursos livres, palestras e seminários sobre temas sociais, culturais e acadêmicos. Os encontros serão nas unidades da FGV pelo país, além de acesso online.
Exploração do saber negro e da sabedoria afrodescendente
Saber negro – Conceição considera que o espaço é caminho para valorizar e acabar com a modéstia de pensadores negros de todas as áreas. ‘Nós temos de reconhecer as nossas contribuições, os nossos valores. A nacionalidade brasileira é marcada profundamente pelas culturas negras em todos os âmbitos.
Embora, durante muito tempo, esse reconhecimento não se deu, eu acho que na medida que ele se dá, temos obrigação também de afirmar nossa competência. É uma questão de valorização, não individual, mas coletiva das culturas negras, que vão para além da dança, da cozinha. É na área técnica, científica, filosófica’, ressalta. ‘Não precisamos ter modéstia para assumir nossos papéis’.
Contribuições dos saberes africanos na história brasileira
Além de Conceição Evaristo, são catedráticas responsáveis pelo projeto a professora e cantora lírica Inaicyra Falcão, a poeta e ensaísta Leda Maria Martins e a artista plástica Rosana Paulino, que não esteve no lançamento, pois está na Argentina para a inauguração de exposição no Museu de Arte Latino-Americano de Buenos Aires.
Leda Maria Martins conta que aceitar o convite para ser catedrática foi um dever. ‘É um dever porque, de certa maneira, atende a nossa trajetória de evidenciar todos os saberes que foram trazidos da África para as Américas e, em particular, para o Brasil’.
Resgate histórico e ancestral dos saberes negros
Pequena África – Após o lançamento na Casa Escrevivência, as catedráticas e o prefeito do Rio, Eduardo Paes, fizeram uma caminhada de pouco mais de 100 metros até a Pedra do Sal, uma escadaria com forte ligação com a cultura negra e onde há uma comunidade quilombola. O trajeto fica na chamada Pequena África, por concentrar locais de relevância histórica para a população negra.
Um desses lugares é o Cais do Valongo, principal ponto de desembarque de africanos escravizados nas Américas. Estimativas mostram que cerca de um milhão de africanos tenham chegado ao Brasil por meio do Valongo, hoje um sítio arqueológico Patrimônio da Humanidade reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Correção histórica e valorização dos saberes africanos
‘O legado tem que ser mantido e agora é a hora de se contar essa história, com a Cátedra da Pequena África mostrando a afro-carioquice que formou esse país. O Rio quer ser uma cidade antirracista, quer mostrar isso o tempo todo, lembrar esse resgate que a gente precisa’, disse o prefeito Eduardo Paes.
No passeio permeado por conotação histórica, Leda lembra que os escravizados chegavam ao Rio de Janeiro nus, porém, não desvestidos de conhecimento. ‘Quando se conta a história dos negros, se enfatiza muito como se os povos negros fossem desvestidos de saberes, de conhecimento, incapazes de criar pensamento. Não é verdade.
Isso é um modo colonial de desqualificar o outro e, de certa forma, justificar o próprio sistema escravista’, critica a escritora. ‘Na verdade, os povos negros, assim como os indígenas que já aqui estavam, vêm com uma gama, um repertório muito grande de conhecimentos. Não apenas conhecimentos estéticos, musicais e dançantes. Mas científicos, técnicos e tecnológicos’, avaliou.
Engajamento social e cultural através dos saberes africanos
Para Sidnei Gonzalez, diretor da FGV Conhecimento, a criação da Cátedra Pequena África é uma mão dupla que leva conhecimento da sociedade brasileira para dentro da FGV, assim como atua como forma de reparação. ‘Essa reparação é um sentimento de todos nós brasileiros.
Acho que a cátedra é um dos instrumentos mais importantes que nós teremos no Brasil, iniciada no Rio de Janeiro, para esse resgate e essa correção dos erros que cometemos no passado’.
Participação ativa de intelectuais negros na Cátedra Pequena África
Para desenvolver as atividades da Cátedra Pequena África, foi criado um comitê consultivo com oito intelectuais negros: Ayrson Heráclito, artista visual, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e curador; Benedito Gonçalves, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ); Conceição Evaristo, professora e escritora; Dione Oliveira Moura, professora e diretora da Faculdade de Comunicação (FAC) da Universidade de Brasília (UnB); Jurema Werneck, médica, doutora em Comunicação e Cultura, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil; Muniz Sodré de Araújo Cabral, sociólogo, jornalista, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e escritor; Sonia Guimarães, cientista, pesquisadora, professora, presidente da Comissão de Justiça, Equidade, Diversidade e Inclusão da Sociedade Brasileira de Física; e Thiago Amparo, advogado e professor de direito da FGV.
Fonte: © TNH1
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