A quantidade de droga, a forma de embalagem e as circunstâncias da prisão não são suficientes para caracterizar o crime de tráfico privilegiado. A dosimetria da pena inclui regime semiaberto e medidas restritivas de direitos.
A presença de uma mula com grande quantidade de drogas escondidas em sua bagagem chamou a atenção das autoridades. A mula estava agindo de forma suspeita, o que levou à sua prisão em flagrante por tráfico de drogas. Mesmo com a evidência do crime, é importante ressaltar que apenas a quantidade e forma de embalagem não são suficientes para caracterizar o envolvimento em uma organização criminosa.
O traficante, ou seja, o responsável pelo transporte das drogas, pode se utilizar de diversas estratégias para tentar burlar a fiscalização. No entanto, é fundamental que a justiça esteja atenta para não confundir a atuação de uma mula com a de um membro efetivo de uma organização criminosa. A lei prevê a redução da pena para a mula que não apresente outras condutas criminosas, visando evitar injustiças no julgamento dos casos de tráfico de drogas.
A condenação por transporte de drogas e a situação de mula do tráfico
A ré foi presa em um ônibus com 17,6 quilos de maconha Desse modo fundamentou o ministro Sebastião Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça, ao dar provimento ao agravo em recurso especial interposto por uma jovem condenada por transportar 17,6 quilos de maconha em um ônibus que partiu de São Paulo com destino a Natal.
A decisão substituiu a pena de reclusão por sanções restritivas de direitos, a serem ainda estabelecidas, e ainda alcançou outra ré.
A incursão no mundo do tráfico como responsável pelo transporte
‘O modus operandi da empreitada criminosa denota situação clara de mula do tráfico, na qual não se verificam provas de ligação duradoura ou habitualidade com a organização criminosa, permitindo a incidência da causa de diminuição do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei n. 11.343/2006′, anotou o ministro.
De acordo com Reis Júnior, ao julgar o Agravo Regimental em Habeas Corpus 868.951/PR, sob a relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz, o STJ já decidiu que apenas a condição de ‘mula’, de quem é contratado para praticar um transporte pontual e determinado de entorpecente, não representa vínculo com organização criminosa ou habitualidade da atividade ilícita, devendo ser aplicada a minorante do tráfico privilegiado.
Decisões judiciais e redução de pena
Súmula afastada Em primeira instância, as acusadas foram condenadas e as suas defesas recorreram. O Tribunal de Justiça da Bahia deu provimento parcial às apelações apenas para reduzir de 600 para 580 o número de dias-multa aplicado às penas. As sanções privativas de liberdade das acusadas foram mantidas em cinco anos e dez meses de reclusão, em regime inicial semiaberto.
Advogado da acusada de transportar 17,6 quilos de maconha, Fábio Hypolitto recorreu ao STJ porque o seu pedido de aplicação do redutor do tráfico privilegiado foi negado na sentença e no acórdão. O TJ-BA indeferiu o seguimento do recurso especial e ele apelou à corte superior, que admitiu o processamento do feito.
Inicialmente, com parecer favorável do subprocurador-geral da República Paulo Queiroz, o ministro Sebastião Reis Júnior afastou a incidência da Súmula 7 da própria corte, ‘visto que não se pretende rediscutir matéria de prova controversa, mas tema dos mais recorrentes nesse STJ, inclusive por meio de habeas corpus: a dosimetria da pena’.
Diz a súmula que ‘a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial’. Efeito extensivo Conforme o acórdão do TJ-BA que negou o tráfico privilegiado, a forma como estavam acondicionadas as drogas apreendidas demonstram que as rés pertencem a uma mesma associação criminosa, responsável por distribuir o entorpecente de São Paulo para estados do Nordeste.
A defesa e a demonstração de culpa
Hypollito sustentou no recurso especial que a cliente sequer foi denunciada por associação para o tráfico, além de ser primária e não haver prova de integrar organização criminosa.
As alegações da defesa foram endossadas na manifestação do subprocurador-geral da República, segundo o qual o ‘equívoco (do acórdão) é manifesto’ e a culpa deve ser demonstrada com base em fatos e provas, ‘não a partir de ilações ou conjecturas’.
Decisão final e regime de cumprimento da pena
Ao dar provimento ao agravo em recurso especial, o ministro reduziu a pena da recorrente para três anos e quatro meses de reclusão, além de 300 dias-multa, fixando o regime aberto. Ele também substituiu a sanção privativa de liberdade por duas medidas restritivas de direitos, a serem fixadas pelo juízo das execuções criminais.
Reis Júnior justificou que o tráfico privilegiado admite essa substituição por não ser equiparado a crime hediondo, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Com base no artigo 580 do Código de Processo Penal, o ministro estendeu os efeitos de sua decisão à corré presa com 21,3 quilos de maconha, por ela se encontrar na mesma situação fático-jurídica da recorrente, concedendo-lhe de ofício Habeas Corpus. AREsp 2.471.271
Fonte: © Conjur
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