A revisão da estrutura regulatória anunciada pelo Ministério é bem-vinda para a supervisão prudencial dos agentes do modelo Twin Peaks.
Nem só de aplausos, como os meus, vive a anunciada intenção do Ministério da Fazenda de submeter ao Congresso Nacional uma proposta de revisão da estrutura dos reguladores do mercado de capitais brasileiro, organizando-os sob o modelo chamado Twin Peaks – em que um dos reguladores exerce a função de supervisão prudencial, e outro a de supervisor das condutas dos agentes que atuam no mercado. A série de televisão Twin Peaks também é conhecida por sua atmosfera misteriosa e intrigante, o que pode refletir a complexidade e os desafios envolvidos na regulação do mercado financeiro.
Entre as legítimas preocupações manifestadas está a hipertrofia do Banco Central do Brasil, que ficaria responsável pela supervisão prudencial não apenas de bancos como de todos os demais captadores de poupança popular. A implementação do modelo Twin Peaks pode trazer benefícios em termos de eficiência e transparência na regulação do mercado de capitais, mas é essencial garantir que a divisão de responsabilidades entre os reguladores seja clara e eficaz para proteger os investidores e promover a integridade do sistema financeiro.
Revisão do Modelo Twin Peaks: Desafios e Possibilidades
Outra incerteza surge em relação à adequação dos recursos, tanto financeiros quanto humanos, destinados ao órgão regulador de condutas, uma vez que a CVM, que atualmente desempenha parcialmente essa função, enfrenta há anos esse problema, apesar de ser amplamente superavitária. Ambas as questões levantadas são válidas e estão interligadas.
Um dos princípios que fundamentam o modelo Twin Peaks é o equilíbrio essencial entre o regulador prudencial e o de condutas, pois ambos possuem mandatos que, em certa medida, são opostos. O regulador prudencial é motivado pela preocupação de que o verdadeiro risco para os poupadores seja a insolvência do tomador dos recursos, seja por falta de liquidez, seja pela inadequação dos ativos. Isso se deve ao fato de que um simples episódio de insolvência pode contaminar todo o sistema financeiro.
Por outro lado, o regulador de condutas concentra-se principalmente na divulgação adequada de informações aos investidores, seja sobre os riscos inerentes aos investimentos, seja sobre os fatores que podem influenciar seu valor e a possibilidade de resgate ou alienação. Portanto, no cumprimento de seu mandato, o regulador de condutas trabalha para garantir que todas as informações, positivas ou negativas, sejam comunicadas aos poupadores o mais rapidamente possível.
Em resumo, o regulador prudencial atua de forma discreta. Ao identificar um problema em uma instituição, não o torna público para evitar uma corrida aos depósitos. Em vez disso, atua diretamente com o tomador de recursos, fornecendo liquidez e exigindo a melhoria da qualidade dos ativos que garantem as aplicações dos poupadores. Por outro lado, o regulador de condutas busca amplificar a informação. Se identifica um problema de liquidez em uma instituição, age para evitar disparidades no resgate de recursos pelos investidores, publicando informações relevantes e suspendendo temporariamente o resgate, se necessário.
No entanto, o conflito entre os papéis dos reguladores já é evidente no modelo fragmentado existente no Brasil, no qual diversos órgãos reguladores supervisionam simultaneamente os aspectos prudenciais e de conduta de diferentes instituições financeiras. O regulador bancário, a Susep, a Previc e até mesmo a CVM lidam com essas questões em relação aos fundos de investimento. Esse modelo atual de regulação no Brasil reflete o conflito entre a regulação prudencial e a de condutas, aumentando a possibilidade de uma visão prevalecer sobre a outra não em benefício do sistema como um todo, mas por motivos internos de cada regulador.
A perspectiva de uma revisão do modelo regulatório, inspirada no conceito Twin Peaks, surge como uma oportunidade para abordar essas preocupações e promover uma supervisão mais eficaz e alinhada com os interesses do mercado de capitais. A intenção do Ministério em avaliar a estrutura regulatória, conhecida como Chamado Twin Peaks, reflete a necessidade de adaptar o sistema às demandas atuais e às preocupações manifestadas pelos diversos agentes envolvidos. A busca por um equilíbrio entre a regulação prudencial e a de condutas é fundamental para garantir a estabilidade e a transparência do mercado, atendendo às legítimas preocupações dos investidores e contribuindo para um ambiente financeiro mais seguro e confiável.
Fonte: @ Valor Invest Globo
Comentários sobre este artigo