Alternativas múltiplas permitem crítica social e termos bélicos.
Reconhecimento de conhecimento é apenas o início no mundo do Enem, que movimenta milhares de estudantes em todo o Brasil.
Quando os Racionais MCs receberam o título de Doutor Honoris Causa na Universidade de Campinas (Unicamp), em 2023, foi uma oportunidade para reflexão sobre o impacto da experiência de violência nas narrativas da arte. A obra desse grupo não se resume a uma estrutura de melodias e letras, mas sim a uma profunda reflexão sobre a tema da sociedade e suas contradições, o que mostra a importância da arte como ferramenta de reflexão e crítica social. Assim, a sociedade pode se aprofundar em sua compreensão própria e, às vezes, romper com as estruturas vigentes e a violência que elas impõem.
Enem: crítica social e violência em discos dos Racionais
A premissa genérica e preconceituosa do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) sobre os discos dos Racionais MC’s é amplamente questionada. Embora a ideia de que as várias experiências narradas nos discos dos Racionais sejam no fundo tratamentos de um só tema: a violência que estrutura nossa sociedade possa ser admitida, é importante analisar as diferentes alternativas propostas pelas correções extraoficiais. Essas correções apontam alternativas corretas, mas nenhuma delas entra no debate dos motivos pelos quais as outras seriam erradas.
Crítica social e termos bélicos
A questão cita um trecho do clássico ‘Capítulo 4, Versículo 3’, que inicia com ‘minha palavra vale um tiro, eu tenho muita munição’ até ‘astral imprevisível, como um ataque cardíaco do verso’. A alternativa indicada como correta afirma que a ‘tematização da violência’ acontece ‘como procedimento metalinguístico, que concebe a palavra como uma forma de combate e insubordinação’. Embora isso esteja correto, é importante notar que o procedimento metalinguístico – a palavra falando dela mesma – acontece apenas no primeiro verso e no último. Além disso, a análise apontada pela alternativa é um pouco exagerada e simplista.
Referência a termos bélicos
Uma alternativa descartada como errada afirma que a ‘tematização da violência’ ocorre na ‘referência a termos bélicos, que sinaliza uma crítica social à opressão da população nas periferias’. Essa alternativa está correta, pois a palavra ‘sinaliza’ não significa uma referência direta, mas indica, sugere, dá a entender. No entanto, o enunciado seria melhor se, ao invés de ‘sinaliza’, fosse usado um termo direto, definitivo, categórico, como ‘faz’ ou ‘realiza’. Usar ‘sinaliza’ torna a alternativa possível.
Versos invertem e relativizam representações
Outra alternativa seria errada porque a ‘tematização da violência’ acontece ‘nas definições ambíguas do enunciador, que inverte e relativiza as representações de maldade e bondade’. No entanto, o enunciador, que é a voz poética, cria sim ambiguidades ao inverter e relativizar, ou seja, ao reconsiderar, repensar, reavaliar as representações de maldade e bondade. Em vez de relativizar, o enunciador realmente inverte representações, como no caso de ‘talvez eu seja um sádico ou um anjo’ ou ‘juiz ou réu, o bandido do céu’. Essas passagens citadas na questão fazem basicamente o que tornaria a alternativa errada: relativiza e inverte.
Resistência e dicotomia
Uma terceira alternativa errada – sempre segundo as apressadas correções extraoficiais, cheias de razão – seria a ‘tematização da violência’ na ‘menção à imortalidade, que sugere a possibilidade de resistência para além da dicotomia entre vida e morte’. Sim, o trecho citado tematiza sim a violência ao sugerir a possibilidade de transcender, de ir além da vida e da morte. E ‘sugere’, não afirma definitivamente, ou seja, abre a possibilidade da resistência e da superação das dicotomias.
Fonte: @ Terra
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