Ministra do STJ diz que relato de policial em podcast infringiu direito ao silêncio, garantido constitucionalmente, na busca domiciliar e confissão extrajudicial, violando princípio constitucional do devido processo legal do acusado.
Uma decisão inédita do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou a confissão extrajudicial de uma mulher condenada pela morte do marido, após a defesa apresentar um trecho de um podcast em que um policial civil revelou detalhes do método utilizado para extrair a confissão. A ministra Daniela Teixeira, da 5ª Turma do STJ, reconheceu a violação do direito ao silêncio, garantido constitucionalmente, e destacou a importância de respeitar esse direito fundamental.
A decisão do STJ reforça a importância de proteger o direito ao silêncio e o direito à privacidade dos cidadãos. A ministra Daniela Teixeira enfatizou que a confissão extrajudicial não pode ser obtida por meio de métodos coercitivos ou abusivos, e que a violação desse direito pode comprometer a integridade do processo judicial. Além disso, a decisão também destaca a importância de respeitar o direito à não autoincriminação, garantindo que os indivíduos não sejam forçados a produzir provas contra si mesmos. A privacidade e o sigilo são fundamentais para a justiça.
Direito ao Silêncio: Um Princípio Constitucional
O direito ao silêncio é um princípio constitucional fundamental, garantido constitucionalmente, que assegura ao acusado o direito de não se autoincriminar. Esse direito é essencial para a proteção da privacidade e da dignidade do indivíduo. No entanto, em um caso recente, a ré foi acusada de homicídio qualificado contra o marido, e sua confissão extrajudicial foi utilizada como prova no processo.
A defesa, no entanto, impetrou um habeas corpus (HC) apontando nulidades relacionadas tanto à confissão quanto à busca domiciliar, que teria ocorrido sem garantias legais. Inicialmente, o pedido de HC foi negado nas instâncias inferiores, que não reconheceram irregularidades nas provas. Porém, a defesa apresentou um corte do podcast Inteligência Ltda., publicado no YouTube, no qual a policial civil Telma Rocha descreveu o momento em que a confissão foi obtida.
No relato, Telma afirma que reparou em manchas de sangue embaixo das unhas e na calça da suspeita e, a partir disso, iniciou um diálogo para extrair a confissão. ‘Eu vou conversar com você bem devagar, você não me responde enquanto eu estiver falando, você vai pensando na resposta. Eu vi que tem sangue embaixo da sua unha’, disse a policial à suspeita. Diante das negativas da mulher, Telma relatou que ‘enrolou’ a suspeita, afirmando que ela não sairia algemada ou humilhada. A policial ainda sugeriu que, se confessasse, poderia obter algum benefício. A mulher, então, confessou o crime.
Violação do Direito ao Silêncio
Ao analisar os elementos, a ministra Daniela Teixeira concluiu que a confissão foi obtida por meio de coação psicológica e manipulação, violando o princípio constitucional da não autoincriminação, previsto no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal. ‘Nas palavras da perita oficiante no caso, corroborada por outro perito atuante no caso, ambos policiais civis, a paciente não foi advertida de seu direito ao silêncio e ainda foi pressionada a confessar a prática delitiva, na contramão do princípio do devido processo legal e o direito ao silêncio de todo acusado.’
Em razão disso, a ministra concedeu parcialmente a ordem de HC, declarando nulas tanto a confissão quanto as provas obtidas durante a busca domiciliar, que também ocorreu sem o devido consentimento informado da acusada. A ministra ainda destacou a conduta inadequada dos policiais Telma Rocha e Leandro Lopes, que divulgaram informações do caso em um ambiente público e informal, com consumo de bebidas alcoólicas, violando os deveres de impessoalidade e confidencialidade exigidos de servidores públicos.
Investigação e Consequências
A ministra determinou que a Corregedoria da Polícia Civil e o Ministério Público sejam oficiados para investigar a conduta dos policiais. ‘Verifico, ainda, que a conduta dos Policiais Civis Telma Rocha e Leandro Lopes são extremamente censuráveis por expor um caso que não foi julgado nos meios de comunicação, utilizando palavreado inadequado, em ambiente com bebida alcoólica e violando o dever de impessoalidade que se exige dos servidores públicos, motivo pelo qual determino que se oficie os órgãos competentes para apurar a conduta funcional dos referidos servidores públicos.’
Apesar da anulação das provas extrajudiciais, a decisão de pronúncia foi mantida, já que se baseou em outras provas que não foram consideradas nulas. O caso destaca a importância do direito ao silêncio e a necessidade de respeitar os princípios constitucionais para garantir a justiça e a proteção dos direitos individuais.
Fonte: © Migalhas
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