Carreiras em matemáticos e estatísticos têm previsão de crescimento de 30% nos EUA devido à procura crescente por equipes de dados em empresas de tecnologia.
Depois de se graduar em matemática, Fernanda Scovino está sempre em busca de novos desafios e talentos em sua carreira. Sua formação sólida em matemática lhe proporcionou uma base sólida para enfrentar os desafios do mercado de trabalho atual.
Com a crescente demanda por profissionais qualificados em ciências de dados e inteligência artificial, Fernanda se destaca por sua habilidade em aplicar os conceitos aprendidos na faculdade em projetos inovadores. Sua paixão por matemática a impulsiona a sempre buscar novos conhecimentos e se aprimorar em áreas afins.
Novos rumos na equipe de dados e matemáticos
Ela lidera aos 25 anos uma equipe de seis analistas de dados na Prefeitura do Rio de Janeiro, e tem uma ONG, a Base de Dados, que reúne e facilita o acesso a uma série de informações.
‘A competição pelas mentes matemáticas é muito intensa’, diz Fernanda.
‘Quando eu estava na faculdade, as empresas promoviam visitas aos seus escritórios, éramos muito abordados por bancos, consultorias, startups e empresas de tecnologia‘, ela acrescenta. A professora Maria Soledad Aronna destaca que esse tipo de cenário é comum.
Ela ministra aulas no curso de Ciências de Dados e Inteligência Artificial da FGV desde 2012 e relata ter testemunhado vários ex-alunos retornando alguns anos depois em posições de liderança e em busca de estagiários. A professora menciona que as empresas chegam a recrutar estudantes até mesmo no segundo ano, quando ainda não possuem conhecimento básico da profissão.
‘O índice de empregabilidade dos alunos é de 100%, e o progresso na carreira tem sido significativo’, afirma Aronna. O mercado está aquecido para aqueles que dominam a matemática e áreas afins—como estatística, ciência de dados, computação e algoritmos. Esses profissionais são valorizados por terem habilidades que ultrapassam meros cálculos e contas difíceis.
Eles também desenvolvem uma capacidade de analisar problemas de forma abstrata e buscar soluções. Contudo, a quantidade de graduados nessas áreas no Brasil não parece ser suficiente para a demanda.
A Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação, um setor onde muitos desses profissionais atuam, estima que quase 160 mil novas vagas são criadas anualmente. Porém, apenas cerca de 53 mil graduados anualmente possuem as habilidades procuradas pelas empresas, conforme os cálculos da associação—o que resulta em cerca de três vagas para cada novo profissional.
O salário médio é em torno de R$ 6 mil mensais, quase quatro vezes a média nacional de R$ 1,6 mil. No entanto, há empregos no mercado que pagam o dobro, triplo ou mais para profissionais com mais experiência e qualificação.
‘A era dos matemáticos está em evidência’, afirmou Keith McNulty, diretor global de ciências, tecnologia e digital da consultoria McKinsey & Company, em uma publicação na rede social LinkedIn em outubro do ano passado. McNulty explica à BBC News Brasil que a demanda começou a crescer nos últimos dez anos devido à popularização de novas tecnologias.
‘Achei que era golpe’
Essa alta demanda por profissionais da matemática e áreas correlatas provoca um efeito cascata no qual as universidades buscam jovens promissores nas salas de aula das escolas.
‘Quando recebi o e-mail, fiquei incrédula. Pensei que era golpe’, revela Paula Eduarda de Lima, 18 anos, que recebeu um convite da FGV para participar de um programa preparatório para o vestibular.
Caso fosse aprovada, ela teria a garantia de receber assistência financeira para se mudar de Jaboti, no interior do Paraná, e cursar disciplinas sobre ciência de dados e inteligência artificial no Rio. Ela não foi a única a receber essa oportunidade.
A FGV tem oferecido diversos benefícios a estudantes de todo o Brasil que sejam medalhistas da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). Paula Eduarda chamou a atenção ao conquistar a medalha de prata em 2021. Por dois anos consecutivos, ela também foi ouro na Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA). Filha de pequenos agricultores, Paula Eduarda aceitou o convite.
Atualmente, ela está no segundo ano do curso. ‘Moro com outros bolsistas em um hotel e recebo R$ 2,4 mil por mês em suporte financeiro’, relata a estudante, que enxerga na matemática uma oportunidade de crescimento pessoal. No futuro, ela planeja trabalhar com análise de dados em uma grande corporação ou como pesquisadora em uma universidade.
Como a matemática impacta a economia
Os rendimentos dos empregos relacionados à Matemática representam 4,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, de acordo com um estudo do instituto Itaú Social em parceria com o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa).
De acordo com a pesquisa, homens e pessoas brancas ocupam a maioria dos empregos intensivos em matemática, com uma participação de 69% e 62%, respectivamente, apesar de serem minoria na população em geral, com uma representação de 48,5% e 43,5% entre os brasileiros como um todo.
Divulgado no final do ano passado, este foi o primeiro estudo realizado para calcular o impacto econômico dessas profissões no país. Em outros países, essa participação é ainda mais significativa, destaca Marcelo Viana, presidente do Impa. Na Inglaterra, 15% do PIB é atribuído à matemática e suas aplicações, enquanto na França, o número chega a 18%.
‘Algoritmos, ciência de dados e campos relacionados estão avançando rapidamente por estarem cada vez mais presentes em nosso dia a dia, nos produtos e softwares que utilizamos, com um grande peso na economia’, explica Viana. Nos Estados Unidos, o governo estima que o número de vagas para matemáticos e estatísticos no mercado crescerá 30% entre 2022 e 2032.
A média salarial atualmente fica em torno de US$ 100 mil por ano (quase R$ 500 mil)—aproximadamente o dobro da remuneração média de um americano. Um profissional da área geralmente possui mestrado em matemática ou estatística, de acordo com a pesquisa do governo dos Estados Unidos, mas algumas vagas exigem apenas diploma de graduação.
Essa realidade é bastante diferente da que Keith McNulty, diretor da McKinsey, encontrou no passado. ‘Quando me formei no doutorado, há 25 anos, fiquei perdido porque, naquela época, a única opção para matemáticos parecia ser seguir a carreira acadêmica, algo que eu não considerava gratificante’, comenta McNulty.
Quanto ganha um matemático no Brasil?
A pesquisa realizada pelo Itaú Social e pelo Impa indicou que, no Brasil, os salários mais baixos são justamente os dos professores de matemática do ensino fundamental, em torno de R$ 2,5 mil. Já os cargos nas áreas de pesquisa e engenharia têm uma média de R$ 8,3 mil mensais.
Os executivos em empresas públicas, categoria com a remuneração média mais alta da pesquisa, recebem cerca de R$ 14,4 mil. Os salários no setor privado podem ser ainda mais altos.
Uma empresa de inteligência artificial sediada em São Paulo, por exemplo, paga entre R$ 15 mil e R$ 20 mil para profissionais com mais experiência, doutorado e alguma vivência corporativa, conforme apurou a reportagem.
No entanto, segundo um executivo da empresa, esses valores ainda estão ‘abaixo da média’ do setor, e é necessário sinalizar que serão compensados por futuros bônus e opções de ações para atrair os melhores talentos.
Isso ajuda a explicar por que a maioria dos colegas de Fernanda Escovino, que também estudaram matemática, trabalham na área de dados de grandes empresas e do mercado financeiro.
‘São poucos os que optam por seguir a carreira de professores e pesquisadores’, afirma ela.
Ela compartilha que, antes de ingressar na faculdade, considerava cursar engenharia ‘justamente por conta do estigma associado a matemáticos de que a única opção é se tornar professor’. No entanto, Fernanda se apaixonou pela matemática ao assistir a uma aula na faculdade.
‘A perspectiva matemática ensina sobre um tipo de raciocínio lógico que é crucial em diversas carreiras, especialmente nos dias de hoje, com o crescimento da ciência de dados’, destaca Fernanda, que atua como diretora de dados e inovação.
‘As pessoas ao redor estranham, mas os cargos ocupados pelos matemáticos possuem títulos que para alguns não refletem nossa disciplina.’
Os desafios para o Brasil se destacar na Matemática
Enquanto novas carreiras se tornam mais atrativas para a matemática, isso gera um dilema na formação de novos professores.
Os baixos salários praticados para quem leciona na sala de aula desencorajam matemáticos a obter a licenciatura, segundo Marcelo Viana, do Impa. Isso resulta em um importante obstáculo no Brasil e em outras nações. Em 2022, o matemático Christophe Besse, presidente do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), apontou uma tendência similar.
‘Estamos testemunhando uma diminuição no número de professores e pesquisadores e, consequentemente, uma menor capacidade de ensino’, alertou Besse.
Outro desafio, de acordo com Viana, é que o Brasil ‘não tem acompanhado a demanda’ na formação dos estudantes. Uma evidência disso, destaca o presidente do Impa, são os resultados do Pisa, principal avaliação de educação básica no mundo.
Enquanto os 38 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecida como ‘clube dos ricos’, possuem em média 31% dos alunos com baixo desempenho em matemática, o índice é de 73% no Brasil. Isso significa que sete em cada dez jovens do país não conseguem realizar cálculos simples.
‘Se considerarmos aqueles que alcançaram um nível mínimo de conhecimento para pleitear carreiras que requerem domínio da matemática, a porcentagem é ínfima, de apenas 4%’, destaca Viana.
‘O Brasil enfrenta uma grave escassez, resultante de problemas estruturais em nosso sistema educacional, que faz com que a matemática seja vista como um bicho-papão pelos estudantes.’
A bióloga Cristina Caldas, diretora de ciência do Instituto Serrapilheira, dedicado à promoção do conhecimento científico, defende a necessidade de mais investimento público e privado para ampliar a formação nessa área.
‘Iniciativas que demonstrem como modelos matemáticos, algoritmos e outras abordagens estão por trás de grandes avanços que atendem demandas contemporâneas, como combate a epidemias e avanços na computação’, sugere Caldas. Com isso, o Brasil pode se tornar ‘um país fértil em ideias capazes de resolver problemas urgentes da sociedade atual’, argumenta a bióloga.
O Serrapilheira está atualmente em sua 7ª Chamada Pública de Apoio à Ciência, destinada ao financiamento de pesquisadores em início de carreira nas áreas de ciências naturais, computação e matemática que almejam abordar grandes desafios em suas áreas de atuação.
Desde 2018, foram aprovados 24 projetos na área da matemática, totalizando cerca de R$ 7,5 milhões em investimentos. Na ciência da computação, foram financiados mais 15 projetos, somando um investimento de R$ 3,1 milhões. Keith McNulty, da McKinsey, destaca que, para quem deseja seguir carreira na matemática, o mercado passou por significativas transformações nos últimos 25 anos.
‘A diferença agora está na enorme quantidade de dados com os quais precisamos lidar e nos desafios matemáticos complexos que enfrentamos’, destaca o executivo. McNulty ressalta, no entanto, que no atual contexto de alta demanda na indústria da tecnologia, não basta possuir formação na área.
Portanto, ele sugere: ‘Adquira competências em linguagem de programação, caso queira aproveitar ao máximo suas habilidades matemáticas em sua futura carreira’.
Veja também:
Fonte: © G1 – Globo Mundo
Comentários sobre este artigo