Início de ano com inflação nos EUA impacta bolsa brasileira. Receio de interferência política em empresas afugenta investidores. Há salvação para o 2024 do Ibovespa?
Apesar dos desafios enfrentados, o Ibovespa mantém-se resiliente frente às oscilações do mercado. Investidores tem demonstrado confiança na recuperação da principal bolsa brasileira, mesmo diante da volatilidade que tem marcado os últimos meses.
O otimismo em relação ao Ibovespa reflete uma percepção geral de que as condições econômicas estão gradualmente melhorando. A expectativa é que a bolsa brasileira recupere o terreno perdido e possa superar os resultados anteriores, fortalecendo assim o mercado de investimentos no Brasil.
O desafio do Ibovespa em meio à turbulência
Mas o Ibovespa deve enfrentar bastante turbulência, à medida que o céu para alçar esse voo parece cada dia mais encoberto. Nos próximos meses, será tudo ou nada: ou o cenário otimista ou o mais pessimista para a bolsa brasileira deve se confirmar. Só aí o mercado saberá se o ano do Ibovespa ainda pode ser salvo ou se deve ir mesmo para o brejo.
Os alertas deste começo de ano vieram principalmente do cenário externo: sinais de repique da inflação empurraram o início dos cortes de juros nos Estados Unidos (EUA) para longe. Agentes de mercado tinham como certo que o ciclo de alívio na política monetária americana começaria em março.
Com a deterioração do cenário para os cortes, passaram a apostar que a queda dos juros nos EUA se iniciaria no meio do ano – visão que ainda pode mudar se os próximos dados não corroborarem esta tese. Foi um banho de água fria no mercado.
A piora nas expectativas é negativa para países emergentes, que costumam ser mais arriscados, como é o caso do Brasil. Com os juros americanos altos por mais tempo, o apetite global por investimentos fora dos EUA diminui, destaca Viccenzo Paternostro, gestor de renda variável da Gap Asset.
Neste começo do ano, o fluxo do capital estrangeiro se inverteu. Até o dia 11 de março, investidores estrangeiros já haviam retirado R$ 23 bilhões mais do que investiram na bolsa brasileira. O valor equivale à metade do que a categoria injetou na B3 no ano passado.
O destino desses recursos importa para o futuro do Ibovespa porque os estrangeiros são os maiores compradores da bolsa brasileira. Cerca de 28% do capital injetado e 50% de todo o volume negociado no nosso mercado atualmente estão nas mãos deles, de acordo com dados da B3.
A incerteza do cenário macroeconômico
Ao peso do cenário externo, somaram-se recentemente alertas domésticos: Vale e Petrobras podem jogar contra o Ibovespa neste ano. Rumores de interferência política em duas das três maiores companhias na bolsa brasileira, uma dupla que detém uma fatia de quase 25% do índice, redobraram a cautela dos investidores com o portfólio Brasil.
Assim, rumando para o fim do primeiro trimestre, o Ibovespa atinge um ponto de inflexão. Para que o ano da bolsa seja positivo, atualmente, é preciso que indicadores apontem alívio na inflação americana e que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) sinalize a proximidade do primeiro corte nos juros.
Se ruídos internos não atrapalharem, o Ibovespa pode dar um ‘pulo de sapo’ na direção de seus recordes. No começo de março, a XP elevou suas estimativas para o Ibovespa de 142 mil para 149 mil pontos, refletindo as previsões de que as companhias brasileiras devem reportar lucros maiores este ano, o que atrairia investidores para a bolsa.
‘Nossa visão sempre foi de que os cortes de juros nos EUA se iniciariam em junho ou no terceiro trimestre. Conforme esse ciclo se aproxima, ativos de risco devem ser beneficiados de forma geral’, diz Jennie Li, estrategista de ações da XP.
A vulnerabilidade diante de investimentos fora dos EUA
Em meio a essas turbulências, os investimentos fora dos EUA se tornam uma alternativa atrativa. O risco fiscal e o futuro das grandes companhias, como Vale e Petrobras, estão no radar dos investidores em meio à instabilidade do cenário.
Mas, do contrário, caso os cortes nos juros americanos pareçam ainda mais distantes, o Ibovespa deve andar de lado por mais tempo. Pode até afundar, a depender dos rumos no cenário doméstico, com risco fiscal e o futuro das grandes companhias (como Vale e Petrobras) no radar de investidores.
A pressão que vem de fora
Olhando para o exterior, para que o apetite global por ativos mais arriscados volte, as taxas americanas precisam cair.
Não é uma questão de ‘se’, mas de ‘quando’ isso deve acontecer e, principalmente, ‘o que acontecerá’ após o primeiro corte nos juros pelo Fed.
O cenário para o mercado brasileiro no segundo semestre ainda é um ponto de interrogação porque depende da volta do fluxo de capital estrangeiro para cá.
Na pesquisa do Santander com investidores estrangeiros, 65% veem espaço para aumentar a alocação na América Latina.
Quase metade, no entanto, espera a sinalização do início de cortes pelo Fed para mexer nas carteiras. ‘Os fundos de mercados emergentes estão com uma alocação média de 7,4% da sua carteira em Brasil, posição que só começou a crescer em novembro, mas estagnou.
É este grupo que vê espaço para investir gradativamente mais aqui’, relata Aline Cardoso, chefe de pesquisa do Santander Brasil.
Mas, avolumando as incertezas para a bolsa brasileira, ainda há a China.
A desaceleração da economia chinesa, que já se reflete em quebras no setor imobiliário, tende a penalizar os preços de commodities, em particular o do minério de ferro.
‘Este cenário causaria um efeito negativo direto em ações da B3 expostas a commodities, especialmente a Vale [com o maior peso no Ibovespa]’, pondera Alexandre Santana, gerente de renda variável da ARX Investimentos.
As ações de commodities representam 35,4% do Ibovespa hoje e são preferidas pelos estrangeiros para se expor à bolsa brasileira. Se a tese para recuperação dessas companhias esfacelar, o volume de capital entrando na bolsa brasileira pode minguar mais ainda.
A pressão que vem de dentro
Risco não é novidade para bolsas emergentes, menos ainda para a do Brasil. Mas os ‘fantasmas’ do risco fiscal e da interferência política nas grandes companhias ficaram em segundo plano nos últimos meses.
Por isso, veio daí a surpresa do mercado com as investidas do governo federal para aumentar sua influência nas duas principais companhias da bolsa brasileira, Vale e Petrobras.
Preferidas por grandes investidores estrangeiros, juntas, as duas empresas responderam por 36% do volume financeiro transacionado, em média por dia, no Ibovespa nos últimos 252 dias úteis (um ano corrido).
A Petrobras foi recentemente cercada pela ameaça de intervenção política em decisões de negócios, após conselheiros ligados ao governo rechaçarem a distribuição de dividendos extraordinários. Desde então, investidores se perguntam se os – ainda desconhecidos – planos do governo para a companhia conflitam com seus interesses.
Já na Vale há rumores de movimentações do governo para influenciar a escolha do novo presidente, à revelia dos acionistas. Em janeiro, aventou-se que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega seria indicado para o cargo na mineradora, mas investidores reagiram.
Hoje, a discussão está travada entre a continuidade do atual presidente, Eduardo Bartolomeo, e a entrada de outro indicado, nome para o qual ainda não há consenso.
‘Tudo isso fez o mercado reviver o período do governo Dilma, de grande intervencionismo na economia e nas estatais, a exemplo de Petrobras que, à época, segurou os preços dos combustíveis e acabou se tornando a empresa mais endividada do mundo‘, diz o gestor da Gap Asset.
Com esse histórico, para investidores, o controle estatal é a antítese do que buscam: certezas e lucro. O pano de fundo na economia brasileira não é menos oneroso para a bolsa.
Marcela Kawauti, economista da Lifetime Asset, pondera que, se o governo não mostrar compromisso com a meta fiscal deste ano, a imagem do Brasil no exterior será impactada. ‘Isso pode, inclusive, levar as agências de classificação de risco a rebaixarem a nota de crédito do Brasil.
Como um efeito dominó, a retomada de uma perspectiva negativa para o país tende a afugentar estrangeiros da bolsa brasileira‘, afirma Marcela. Agora é esperar, atentamente, os próximos capítulos tanto do cenário externo (especialmente EUA e China) quanto interno (economia local e o que vai acontecer com as principais ações da bolsa) para saber o que vai acontecer na bolsa.
E claro, dedo no gatilho para comprar ou vender, assim que o cenário se definir melhor.
Fonte: @ Valor Invest Globo
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