Pequenos diálogos para explorar grandes obras & ideias − e cuidar de si e do mundo. Autora, após tratamento de câncer, publicará
Em cada instante nascemos e morremos bilhões de vezes
Em cada instante nascemos e morremos bilhões de vezes
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No reflexo do espelho, observo as marcas do tempo, os fios de cabelo ficando grisalhos, a visão ficando embaçada, os músculos perdendo firmeza. Mesmo me dedicando a exercícios, tentando seguir dietas, removendo os cabelos e pelos indesejados que insistem em aparecer no rosto, a realidade é outra hoje em dia. Na minha juventude, as coisas eram diferentes. O envelhecimento é um processo inevitável que afeta o corpo, a mente e a alma. O nariz parece mais proeminente. As orelhas e os pés também.
Com o passar dos anos, percebo as mudanças que a idade avançada traz consigo. A velhice chega sem pedir licença, trazendo consigo novos desafios e reflexões. É importante aceitar e abraçar o processo natural do envelhecimento, buscando sempre manter a saúde e o bem-estar em primeiro lugar. A cada dia, aprendo a valorizar a sabedoria que vem com a idade e a enxergar a beleza única de cada fase da vida. O envelhecimento é parte essencial da jornada de cada ser humano, repleta de experiências e aprendizados que moldam quem somos.
Reflexões sobre o envelhecimento e a passagem do tempo
Nas mãos, os dedos envelhecidos e curvos pela idade não passam despercebidos. A vontade de manter a juventude eterna se esvai, mas a vontade de viver e existir permanece. A cada momento, nascemos e morremos inúmeras vezes, em um ciclo contínuo de renovação.
Reconheço e admiro o avô português, com a cabeça careca e redonda, semelhante à minha atual, que me surpreende ao me ver no espelho: eu sou eu, mas também sou ele; ele vive em mim, assim como eu nele. No reflexo, vislumbro a imagem da mãe em sua velhice e juventude, da criança e da adolescente, da jornalista, da feminista, da monja e de uma linhagem de Budas ancestrais. Sou todos eles e todos eles são parte de mim.
Podemos enfrentar o processo de envelhecimento com suavidade, com ou sem dignidade. Durante essa jornada, podemos rir e chorar, permanecer neutros, brigar, esquecer sem pressa, sem esforço para lembrar. Já não sentimos a necessidade de provar algo ao mundo. Vivemos cada momento como se fosse o último, repetindo frases antigas e novas, criando novas formas de ser. Recitamos de memória poemas da infância e canções da juventude, mesmo que de forma confusa e fragmentada, pois a memória, nossa amiga e inimiga, às vezes mistura o futuro com o presente.
Sigamos juntos nessa jornada da vida, onde cada dia é sempre menos, nunca mais. Essa certeza pode causar espanto, aflição, além das dores nas articulações, do sono irregular e da insônia nas noites claras ou escuras. Ah, a lua! Continua a nos encantar, mesmo sabendo que é apenas um pedaço de terra onde um coelho bate arroz em um pilão, São Jorge cavalga um dragão.
O sol, por sua vez, nutre nosso corpo e mente por meio das plantas e sementes, acelerando nosso envelhecimento à medida que nos expomos a ele ao longo da vida. Cada dia é uma oportunidade de aprendizado e crescimento, mesmo quando os cabelos clareiam, os músculos se afrouxam e surgem rugas no rosto. Em cada instante, somos novos e antigos, em constante transformação, como se nascessemos e morrêssemos bilhões de vezes.
Fonte: @ Veja Abril
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