Exposição no Museu Judaico revela legado de judeus marroquinos com tradição judaica, estrela de Davi e necrópoles verdes, através de regatões com multidisciplinaridade.
Trabalhar com a história da diáspora judaico-marroquina foi um desafio de grande proporção. Foram dois anos de pesquisa, mas também duas jornadas ao longo de dias, milhares de horas que nunca foram suficientes para desvendar todas as camadas de tempo e espaço que ocultaram a história da diáspora judaico-marroquina, até que finalmente ela foi trazida à luz pela exposição do Museu Judaico de São Paulo.
A diáspora judaico-marroquina na Amazônia, agora à mostra no Brasil, é um tema que revela a complexidade da identidade judaica. A presença de judeus na Amazônia é um fato histórico, com a diáspora judaico-marroquina sendo apenas uma das muitas vertentes que contribuíram para o tecido da sociedade brasileira. A exposição no Museu Judaico de São Paulo oferece uma perspectiva única sobre a trajetória desses judeus na Amazônia, desafiando as percepções comuns. Alguns deles chegaram ao Brasil em busca de uma vida mais estável, outros por causa das perseguições em seu país de origem. Todos eles deixaram uma marca inesquecível na história judaica e no Brasil.
Diáspora: um legado judaico na Amazônia
A memória da imigração judaica na Amazônia é um mistério que foi sendo revelado ao longo dos anos, graças à perseverança de historiadores, antropólogos e pesquisadores. Mais de 200 itens, entre obras de arte históricas ou comissionadas, vídeos, documentos e registros fotográficos, recuperam a história dessa comunidade, que foi forjada por centenas de famílias que migraram de cidades como Tânger, Tetuan, Fez e Marrakesh, entre 1810 e 1930. Esses judeus haviam permanecido no Marrocos por mais de três séculos, após serem expulsos da Península Ibérica durante a Inquisição, entre os séculos 12 e 18.
A segunda onda migratória
Segundo a cronologia da exposição, ‘fatores econômicos, sociais e políticos’ teriam causado a segunda onda migratória, desta vez da ‘aridez das terras marroquinas’ para a ‘abundante floresta amazônica’. Os imigrantes não se estabeleceram somente nas capitais Manaus e Belém, mas também em Parintins e Itacoatiara, no Amazonas, e Gurupá e Cametá, no Pará — onde havia uma das mais antigas sinagogas do Brasil. Eles seguiam uma tradição de comércio, adentrando os estados como mascates dos rios (os chamados ‘regatões‘), em embarcações que não raro traziam nomes judaicos como Levy ou Bennaroch.
Tradição e cultura judaica
Na mostra, há indícios, por assim dizer, alegóricos, de como a cultura judaica reverberou em costumes locais ao longo do tempo. A exemplo da estrela de cinco pontas na fronte do Boi Caprichoso, do Festival de Parintins. Ela seria uma alusão à estrela de Davi, emblema desenhado ou afixado aos escudos dos guerreiros do rei Davi, na tradição judaica. Os dois triângulos sobrepostos, representando as três letras do alfabeto hebraico, que compõem o nome Davi, também são encontrados em cerâmica da Ilha do Marajó, no Pará.
Necrópoles verdes judaicas
Também existem evidências desveladas literalmente a facão, como as ‘necrópoles verdes’ judaicas, encontradas na floresta, como é o caso do Cemitério Judaico de Gurupá, descoberto em 2017, na região do Baixo Rio Amazonas. Em processo de tombamento, esses cemitérios apontam que, embora não tivessem uma prática religiosa em sinagogas, aqueles imigrantes queriam ser enterrados como judeus. Um projeto de tal monta dificilmente sairia do papel não fosse a multidisciplinaridade de sua curadoria, de que fazem parte Aldrin Moura de Figueiredo (historiador), Renato Athias (antropólogo), Mariana Lorenzi (Coordenadora de Curadoria e Participação do MUJ) e Ilana Feldman (professora, pesquisadora, ensaísta e curadora independente).
A curadora Ilana Feldman
Foi Ilana quem plantou a semente para a exposição quando assumiu a curadoria geral do museu, em 2021, ano de sua inauguração, antes de se tornar professora adjunta na Escola de Comunicação, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ). A relação da curadora com o assunto não poderia ser mais próxima: ‘Minha mãe é de família judia marroquina de Belém, no Pará. Ela é filha de uma paraense, nascida no Marrocos, com um judeu que veio da Bessarábia, hoje Moldávia. É dele que vem o nome Feldman. Minha mãe vem de uma linhagem de matriarcas marroquinas, das Benoliel Sabat’, conta ela, em conversa com o NeoFeed. Barco batizado com o nome ‘Estrela de Davi’, um símbolo da tradição judaica, é mais um exemplo da influência da cultura judaica na região.
Fonte: @ NEO FEED
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